O roteirista Charlie Kaufman é um sujeito curioso. Leu uma frase e um poema e deles escreveu um filme:O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança. Não somente um filme, o filme, o melhor do ano, um dos grandes da década.
De tempos em tempos aparece alguém que ajuda a reinventar o cinema, e é por isso que este sobrevive e se renova há cem anos.
O primeiro texto que o inspirou foi o poema "Eloisa to Abelard", 366 versos escritos por Alexander Pope (1688-1744), sobre o caso verídico de um teólogo de 38 anos com a pupila de 18. De lá, sacou "Feliz é o destino da inocente vestal/ Esquecida pelo mundo que ela esqueceu/ Brilho eterno da mente sem lembrança!".
O segundo é uma frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900): "Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos".
Ao unir os textos, está o amor, a memória e a memória do amor.
Há duas maneiras de contar o enredo que daí saiu. A primeira é a linear, que o leitor não encontrará no filme. A segunda é tal como se apresenta na tela, mais caleidoscópica e interessante. A linear:
Joel (Jim Carrey) conhece Clementine (Kate Winslet) num churrasco de amigos numa praia. Apaixonam-se de cara, mas ele é contido, tímido e aborrecido, ela é impetuosa, esquentada e dada a excessos, e logo os dois brigam.
A garota ouve falar então de uma empresa, Lacuna Inc., que promete apagar lembranças ruins. O cérebro do cliente é mapeado enquanto ele vê objetos que o fazem lembrar do que ele quer ver esquecido. Identificados, os pontos dolorosos são bombardeados por laser e puf!, se vão.
Na fila de espera, há uma senhora segurando objetos de seu cachorro morto, um torcedor frustrado de um time perdedor, solitários do Dia dos Namorados...
Quando Joel descobre que a ex-namorada se submeteu ao apagão, resolve fazer o mesmo. No meio do processo, arrepende-se e tenta, de dentro de sua memória sendo apagada, lembrar-se de seu amor eterno. Para tanto, usa artifícios, como conduzir a amada para memórias antigas, de infância, quando ela ainda não existia.
Enquanto isso, o autor da invenção (Tom Wilkinson) vai revelar um segredo à sua jovem assistente (Kirsten Dunst), que tem um caso com seu colega (Mark Ruffalo), cujo amigo inescrupuloso (Elijah Wood) se aproveita de uma das clientes, Clementine.
(Charlie Kaufman deve rir das tentativas fúteis dos jornalistas em resumir seu enredo.)
Não se deixe levar pelo preconceito ao avesso, de que uma produção tão bem-feita, vinda de Hollywood, com cenários caros e um ator mais conhecido por seu trabalho em comédias, não pode ser revolucionária. É.
SÉRGIO DÁVILA
Há 2 anos
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